Alianças, colônia e o mundo do Antigo Regime Na etapa na qual analisa o início de nossa história econômica, o autor revela a existência de "uma sociedade radicalmente nova, instituições mescladas e governos locais eleitos que sustentam uma economia dinâmica, em contraste com um governo central que só retira recursos e um Ocidente que cresce lentamente". Esta é a parte mais surpreendente do livro, pois contraria a crença comum da baixa inatividade econômica e de uma certa incapacidade dos nossos indígenas. Pelo contrário, eles eram ativos e conseguiam, a seu modo, e com pouco trabalho, gerar excedentes que garantiam alimentação farta e vida relativamente agradável enquanto a Europa passava necessidades. Por não escreverem, seus feitos não eram registrados e passados para a frente, mas sabiam cultivar produtos como milho, mandioca, tabaco e algodão - todos então desconhecidos no velho continente. Destaca-se, neste particular, outro fenômeno que marcou nossa cultura, a miscigenação, pois passaram a ser comuns os casamentos entre europeus - os lançados, para aqui estabelecerem raízes - e as índias. O que os chefes indígenas queriam era que os "genros" trouxesse progressos para o grupo, o que os objetos de ferro ajudavam a materializar e levou um grupo mais dinâmico de europeus a se destacarem. Assim, os portugueses passaram a dançar conforme a nova música e o máximo que o rei, Dom Manuel, fez foi emitir as Ordenações Manuelinas que, na prática, estabelecia uma espécie de "organização da desigualdade". Outro conceito essencial na formação do Brasil colonial é o de vila, com suas estruturas simples, mas fundamentais na estruturação da sociedade nacional, que é o igreja e, mais tarde, escola, da câmara de vereadores, eleita com regularidade, e dos mecanismos básicos de governadoria da coisa pública, além do comércio e de certos equipamentos funcionais básicos para a economia local, como os engenhos de açúcar e mercados públicos, que a partir do modelo de São Vicente, foram se espalhando pelo País. Após comentar sobre as experiências, a maioria mal sucedidas, de dividir o Brasil em pedaços maiores, as capitanias, o autor entra na organização do governo geral, primeira tentativa de dar unidade à imensidão territorial do Brasil, a partir de Salvador. Na realidade, porém, essa era uma tarefa ingrata e outra nação européia, a França, conseguiu se imiscuir em terras brasilienses, repetindo a mesma "receita" que os portugueses e estabelecendo com os Tupinambás, entre o litoral do Maranhão e do Rio de Janeiro (com exceção do recôncavo baiano), uma série de alianças que cimentaram não apenas as relações entre esses povos, mas ajudaram a levar para a Europa, além do pau-Brasil, o algodão e o tabaco. Os jesuítas aqui aportaram logo em seguida, na esteira do acordo entre a Espanha e Portugal, e chegaram com método, espalhando-se principalmente na Bahia e no Rio, e atuando, além de suas tarefas religiosas, em organizações laicas, em seu próprio proveito. O caso dos holandeses no Brasil não perdurou por muito tempo, principalmente porque o sistema aqui implantado era muito custoso para o governo deles e os lucros eram privatizados para a Companhia das Índias Ocidentais. Mas como as coisas não se coadunaram bem, com muitos empréstimos feitos a nacionais não sendo pagos, eles foram se desinteressando e aportaram em outras áreas da América, como as ilhas do Caribe, o estado da Virginia e até Nova Iorque. Ao final, a partir da segunda metade do século XVII, Portugal se revelou como a única nação européia com poder real sobre o território brasileiro, mas a seu jeito, ou seja, pouco mandava e atuava nas regiões do interior. Tudo isso se deu enquanto o papel de Portugal se transformava, ou seja, de principal centro de navegação do mundo de então, com seus navios mantendo domínios no Brasil, na Costa Africana, na Índia, em Macau e no Japão, foi perdendo gradativamente esse predomínio para a Holanda e a Inglaterra, enquanto que sua principal colônia se libertava de suas amarras, crescendo fora de seu efetivo controle em boa parte do território. A maior fração da produção econômica se fazia fora de suas vistas, por produtores independentes, donos de seus meios de produção e tomadores de risco. A parte sobre a qual Portugal controlava e tomava impostos era menor. Mesmo assim, ao final do século XVII, a corte obtinha aqui no Brasil metade de toda a arrecadação de seu império. Mas quase nada disso voltava, pois 75% das despesas eram realizadas no Reino e dois terços do que os brasileiros pagavam em impostos eram transferidos para fora e empregados na economia metropolitana. Do ponto de vista dos costumes também se dava um arranjo aceitável pelas partes. Apesar das normas escritas pelos portugueses, as leis e costumes Tupis eram aceitas e um amálgama entre elas se processava relativamente bem. Em todo esse arranjo se destacava o fato de que a busca da riqueza dava sentido à vida e o empreendedor era a figura central do sistema. Enquanto isso a interiorização do Brasil se dava à revelia do poder central estabelecido. Já em 1697 a "dominação" paulista abarcava desde o sul de Santa Catarina (Laguna) até Parati, no interior o domínio se estendia por SC, SP, MT, MS, GO e TO, mais parte de MG - tanto que este "estado" fazia divisa com o Grão-Pará. O resultado disso só ficou claro na década de 1970, com a adoção de novos métodos estatísticos aplicados à história econômica, quando ficou evidente que ao longo do século XVIII, apesar da ação constante de transferência da renda "excedente" da colônia para Lisboa, a economia brasileira estava em franco desenvolvimento enquanto a metrópole entrava em crise. Com o final do ciclo do ouro isso ficou mais evidenciado e se pode constatar que o Brasil, apesar de quase três séculos de saques - franceses, holandeses e principalmente portugueses - o país havia crescido muito, mais até que a própria Europa, com o gado, em todo o Brasil; cacau, no Pará, inicialmente; algodão e arroz, no Nordeste e no Sul; além da cana-de-acúçar. Uma comparação esclarecedora pode ser feita entre as exportações brasileiras nessa virada dos séculos XVIII para o XIX, que eram de 3,8 milhões de libras esterlinas anuais, contra 4 milhões dos Estados Unidos. O que se pode dizer, no encerramento desse ciclo, é que havia no Brasil "um grau de soberania popular maior do que na metrópole" e que "o governo central não atrapalhava muito o crescimento da economia pelas vias informais". Além disso, apesar de majoritariamente iletrado, o nosso país vivia a democracia livre de câmaras municipais que eram rotineiramente renovadas e um arcabouço estrutural baseado na simbiose da cultura portuguesa com os costumes Tupi-Guarani, que "organizava o mercado interno, mesmo com o emprego muito reduzido de dinheiro".
Coroas e estagnação durante o desenvolvimento do Ocidente A segunda etapa de nossa história econômica, de 1808 a 1889, é caracterizada pelo "transplante para a América e a nacionalização do governo central como Império, que mantém a escravidão e freiam o crescimento, enquanto o Ocidente revoluciona o papel do governo e conhece o desenvolvimento capitalista". A vinda das cortes portuguesas e dos seus 15 mil cortesãos para o Brasil se deu pela iminência da invasão francesa a Lisboa e aconteceu por uma razão muito prática, entre 80 e 90% do comércio português, então, decorria da reexportação de mercadorias brasileiras e de reexportação de bens europeus para a colônia. Também foi lógica a abertura dos portos a todas as nações amigas de Portugal e Brasil, a instalação do primeiro curso superior, de medicina, em Salvador, no momento em que 23 faculdades já funcionavam na América Hispânica e quase dois séculos depois das primeiras escolas superiores nos Estados Unidos. Também coube aos reis portugueses a responsabilidade de trazer a primeira prensa para o Brasil, 358 anos depois da primeira invenção da tipografia. Muito se conhece sobre esse período no qual o Rio de Janeiro passou ser a capital do Império Português, antes de D. João sentir-se à vontade para retornar a Lisboa e deixar aqui seu filho, D. Pedro, que logo se meteu a organizar uma Constituição para o Brasil. Seguiu-se um balé no qual o ministro Bonifácio de Andrada tentava impor suas ideias de justiça e igualdade social, D. Pedro acedia um pouco, mas não muito, porque também ouvia outros grupos de pressão, como a Maçonaria; organizou-se a primeira assembléia constituinte, para escrever nossa primeira Constituição, a de 1824, e no final tivemos um documento que concentrava o poder no jovem Imperador, com a função de chefe do Executivo e do Poder Moderador. Na sequência, fez-se a primeira grande negociata do País, com um empréstimo inglês para que o Brasil indenizasse Portugal pela perda da colônia, mas com sobras para assegurar um fundo ao nosso Imperador e cláusulas que asseguravam diversos privilégios aos britânicos, como o reconhecimento de que Pedro era o legítimo sucessor do trono português e até o reconhecimento dos ingleses ao direito dos brasileiros prosseguirem por mais algum tempo com o comércio de escravos. A brincadeira custou aos brasileiros a soma de 5,88 milhões de libras esterlinas, 18% de nosso PIB, dos quais apenas 600 mil vieram aportar nos cofres do Banco do Brasil. Seguiu-se um período de algumas escaramuças entre forças locais, o que requereu a contratação de um exercito de mercenários, que sangraram ainda mais os cofres da nação, e nessa confusão, um novo personagem se impõe, o Padre Diogo Antonio Feijó, que se qualificara a assumir a regência do país à beira de uma crise geral, com um Imperador que pensava mais em Portugal, onde estavam seus bens e sua família, e era preciso adotar decisões fortes, como a dispersão do exército de mercenários, a criação de uma guarda nacional e a entrega de seu comando ao então major Luis Alves de Lima e Silva, futuro marechal, que colocou ordem na tropa e colecionou vitória sobre vitória, resultando na pacificação (temporária) do Brasil. Assim, "no dia 7 de abril de 1835, os brasileiros escolheram como governante um padre que defendia o fim do celibato, um homem que não queria privilégios nem foros especiais de fidalguia, um político que pretendia estender a esfera da responsabilidade para exercer as funções de comandante do Executivo como substituto do rei. Um novo patamar de acomodação entre soberanias opostas seria tentado". Como se sabe, infelizmente, o novo arranjo não deu muito certo. O primeiro problema foi a Cabanagem do Pará, estado que estava descolado do restante do país por razões geográficas, pois uma viagem a Lisboa durava 20 dias, enquanto a vinda ao Rio de Janeiro, 90. Foi uma luta de mais de cinco anos, durante a qual 20% da população local foi dizimada e sua economia reduzida a frangalhos. O outro grande problema foi a Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul, que durou 10 anos, uma vez que o fluxo econômico das partes, resultante da venda de charque para o restante do país, continuou dos dois lados. Mas o governo local foi sendo asfixiado e o final foi a manutenção do estado sob a égide brasileira. Além de manter a unidade do Brasil, a ação de Feijó se mostrou positiva em vários aspectos da vida nacional, como a aprovação do Código de Processo e o Código Criminal, que substituíram partes das Ordenações do Reino e representaram grande progresso nessa área, como a adoção de princípios iluministas da presunção da inocência, o fim das prisões arbitrárias e a adoção de uma legislação que previa penas iguais para ricos e pobres. Mas os opositores dessa nova ordem manobraram para encurtar a regência de Feijó, sem passar pelas eleições e em 1840 reintroduziram o Poder Moderador, ao antecipar a posse de D. Pedro II, então com 14 anos, e trazer de volta o cenário de um poder irresponsável. Não seria possível, a partir daí, a recuperação do Brasil, esgotado por dois governantes sem apreço ao erário público, "pois o efeito maior do gasto público" foi o de "destruir a poupança privada com investimentos improdutivos". Houve uma reação temporária, durante o segundo império, com o fim do desastroso acordo feito com a Inglaterra e ampliação tanto dos negócios do Brasil com os demais países como um processo de substituição de importações industriais, liderado por Irineu Evangelista de Sousa, o Visconde de Mauá. Mas nesse meio tempo aconteceu o inevitável fim do comércio de escravos, que abalou a classe econômica dominante, os seus mercadores, e gerou parte das bases para o surgimento de um novo movimento, os Republicanos, que se opunham ao "arbítrio ilustrado" de D. Pedro II e sua mania de tudo controlar, pois este era "o chefe de um governo que, tentando controlar tudo, atrapalhava em vez de construir". O balanço do Império não foi positivo, portanto. Em 1890, havia apenas 641 municípios no imenso território nacional. "Houve uma certa evolução na taxa de alfabetização, que passou de 2% para 17,4% da população, e alguns cursos superiores foram criados, em especial de direito, medicina e engenharia - mas nenhuma universidade foi criada." Um verdadeiro milagre foi a forte unidade gerada por uma única língua, falada e entendida em todo o Brasil, por uma população majoritariamente analfabeta. Lembre-se que entramos nesse século com uma renda semelhante à dos Estados Unidos, mas terminamos o período com uma renda per capita 5,7 vezes menor. Assim, na análise de Caldeira, "por maior que sejam as imprecisões e a falta de compatibilização entre os dados, a tendência geral é clara: o século XIX como um todo, e o período imperial em particular, foi um período de estagnação da economia brasileira e, por outro lado, de aceleração da economia mundial. Foi, portanto, um período de acentuado atraso para o país na comparação com o mundo. Esse foi o cenário encontrado pelos republicanos que chegaram ao poder". |
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